Por Izaac Pereira Inácio
Procurador-geral-adjunto do Confere
Sem dúvida, o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições Devidos pe¬las Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples Nacional, também conhecido como “Su¬persimples”, instituído pela Lei Complementar nº 123/2006, constitui significativa conquista das micro e pequenas em¬presas, ao unificar a forma de apuração e recolhimento de impostos, enumerar aqueles em relação aos quais deve ser observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídi¬cas, além de conceder dispensa do pagamento das demais contribuições instituídas pela União.
Com relação à dispensa, numa interpretação sistemática do nosso orde¬namento jurídico, o art. 149 da Constituição Federal traz a previsão genérica de todas as contribuições instituídas pela União, inclusive as de interesse das categorias profissionais, que, em tese, estariam alcançadas pela dispensabili¬dade prevista no § 3º do art. 13, da referida norma complementar, como defende outra vertente doutrinária.
Contudo, com a devida vênia, ao nosso ver, entendimento nesse sentido deve ser observado com cautela, não podendo significar interpretação defini¬tiva sobre a matéria.
Em que pese a anuidade cobrada pelos conselhos profissionais ser com¬pulsória, possui ela natureza jurídica de “contribuição parafiscal”, de acordo com a jurisprudência dominante, e do próprio Tribunal de Contas da União, ao qual tais órgãos têm o dever de prestar contas, como se verifica a seguir:
“Os conselhos de fiscalização do exercício profissional têm natureza autárquica, arrecadam e gerenciam recursos públicos de natureza parafiscal, estando sujeitos às normas de administração pública e ao controle jurisdicional do TCU. É certo que, apesar da natureza pública dos conselhos e dos recursos por eles arrecadados, es¬ses entes não integram a Administração Pública e tampouco os seus gastos estão incluídos no Orça¬mento Geral da União, dadas as prerrogativas es¬peciais que detêm. Contudo, criados por lei para o exercício de função pública (art. 5º, inciso XIII; art. 21, inciso XXIV, e art. 22, inciso XVI, da Constituição Federal), regem-se pelas regras de direito público, sendo os conselhos de fiscalização profissional submetidos às normas e princípios da Administração Pública.” – Acórdão TCU 341/2004 – Plenário.
“A respeito dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, a farta jurisprudên¬cia desta Corte é no sentido de que tais entidades têm natureza autárquica sui generis; arrecadam e gerenciam recursos públicos de natureza parafis¬cal; sujeitam-se aos princípios constitucionais aplicáveis à Administração Pública; integram, por força constitucional e legal, o rol dos jurisdicio¬nados deste Tribunal; estão obrigados a realizar concurso público previamente à contratação de pessoal; e devem observar a licitação prévia para as obras, serviços, compras, alienações e loca¬ções.” – Acórdão TCU 2.562/2008 – Plenário.
Nesse sentido, destaca-se, também, o Mandado de Segurança nº 21.797-9, julgado pelo Supremo Tribunal Federal, em 09.03.2000, no qual se firmou o entendimento acerca da natureza autárquica dos Conselhos responsáveis pela fiscalização do exercí¬cio profissional e, ainda, que as contribuições cobra¬das são contribuições ditas parafiscais ou mesmo contribuições corporativas, com caráter tributário.
Como se depreende, não há dúvida quanto à parafiscalidade da contribuição em apreço, que consiste na atribuição da sua titularidade pelos en¬tes fiscalizatórios, para o custeio de suas próprias finalidades institucionais, diferentemente do tribu¬to, cuja receita é destinada a ente político detentor da competência tributária.
Com efeito, a contribuição social, de natureza parafiscal, constitui uma imposição tributária paralela ao sistema fiscal, pois objetiva custear encargos que não são próprios da administração pública stricto sensu, mas, sim, de interesse das categorias profissionais ou econômicas, não sendo, desta forma, afetada pela dispensa prevista pelo referido regime simplificado.
A propósito, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, na vigência da Lei nº 9.317/96, que em seu § 4º previa: “A inscrição no SIMPLES dispensa a pessoa jurídica do pagamento das demais con¬tribuições instituídas pela União”, decidiu pela indispensabilidade do pagamento de anuidade aos conselhos profissionais pelas pessoas jurídicas, optantes pelo SIMPLES, ante o seguinte entendi¬mento:
“(…) a manutenção da tutela coloca em risco a própria existência da autarquia, que tem nas anuidades a sua maior fonte de receita. Como reforço, anoto decisão da Presidência desta Corte, datada de 07/08/2006, (publicada no DJ em 15/08/2006) ao julgar a Suspensão de Segurança nº 2006;01.00.024585-o/PA: “Como se sabe, as corporações profissionais, embora tenham natureza autárquica, distinguem-se por prover sua receita de contribuições anuais, taxas e multas pagas por profis¬sionais que atuam em atividades a elas relacionadas. (…) A decisão de 1ª Instân¬cia, que conclui, em juízo de cognição sumária, que os associados da impetrante, optantes do ‘SIMPLES’, não estão obrigados ao pagamento das contribuições instituídas pelo Conselho Profissional, afigura-se-me, a princípio, precipitada, pois poderá inviabilizar atividades dessa corporação, uma vez que não está sujeita ao recebimento de verba da União”.
Mais recentemente, o Juizado Especial Federal do Rio Grande do Sul, nos autos do processo nº 28.2011.404.7100/RS, em que a autora, empresa de pequeno porte, pretendia a declaração de isenção do pagamento de anuidades ao Conselho Regional de Contabilidade, por ser optante do Simples Nacional, com fulcro no art. 13, § 3º da Lei Complementar nº 123/2006, assim decidiu:
“(…) A parafiscalidade caracteriza-se pela delegação da capacidade tributária, cabendo ao ente parafiscal o exercício da sujeição ativa. Essa delegação retira seu sen¬tido da afetação das receitas geradas pela cobrança da contribuição, (…) Por isso, à União, ainda que titular da competência tributária, cabe tão somente a criação do tributo, o que se esgota com a edição da lei instituidora. Diante desse quadro, (…) embora instituída pela União, a contribuição destinada a órgãos de fiscalização de profis¬sões distingue-se das contribuições que revertem ao tesouro público por orientar-se para destinação específica, vinculando-se ao ente ao qual delegada a condição de sujeito ativo e a suas finalidades institucionais.”
“A condição de microempresa e/ou de empresa de pequeno porte inscritas no SIMPLES, no entanto, não isenta as impetrantes do pagamento de contribuições para o Conselho de Classe respectivo. A Lei Complementar nº 123/2006 (assim como a Lei nº 9.317/96, antes dela), ao isentar as empresas inscritas no SIMPLES do pagamento das demais contribuições instituídas pela União, refere-se a contribuições e tributos recolhidos para custear o Poder Público e não das anuidades e taxas que revertem para a entidade que representa a categoria profissional.”
Em sua fundamentação, o Juízo Federal fez menção, também, à decisão de mesmo sentido do TRF1, de cuja citação, destacamos:
“1. (…)
2. As anuidades dos conselhos profissionais têm natureza parafiscal e são cobradas pelas próprias entidades autárquicas, não se lhes aplicando a isenção do art. 3º, § 4º, da Lei nº 9.317/96 (SIMPLES), que trata de contribuições instituídas, exclusivamente, pela União.”
Esclareça-se que a decisão do Juizado Especial Federal do Rio Grande do Sul restou confirmada pela Turma Recursal, que, por unanimidade, negou provimento ao recurso do autor.
Da mesma forma, foram rejeitados os Embargos de Declaração interpostos, bem como negado seguimento ao recurso extraordinário.
Interposto agravo contra a decisão que não admitiu o referido recurso extraordinário, foi-lhe negado seguimento pelo Supremo Tribunal Federal, em 31 de outubro de 2014, relatoria do Ministro Dias Toffoli.
Diante do exposto, entendemos, s.m.j., que a dispensa prevista no § 3º do art. 13, da Lei Complementar nº 123/2006, não afeta as contribuições compulsórias cobradas pelos órgãos de fiscalização profissional.